Vinte minutos depois, sua euforia já não era a mesma.
Cinco mil reais são cinco mil reais, nenhum assalariado, muito menos um
professor do Estado, desprezaria uma bolada dessas. Daria para comprar
muita coisa se ele não estivesse pendurado em dividas com gente da
família e até amigos. E ele não devia pouco. Suas dívidas iam além dos
cinco mil reais que deixaram eufóricos a maioria dos professores daquela
escola esquecida num dos locais mais pobres e violentos da cidade.
No entanto, na escola havia gente descontente com o tamanho do bônus.
“Se alguns professores tivessem se aplicado mais nos projetos exigidos
pela secretaria, com certeza o bônus seria maior”, disse a coordenadora
pedagógica, numa indireta para certos professores que falam abertamente
que bônus algum supera os benefícios que um bom salário sempre traz.
A diretora, que certamente vai morder mais de cinco mil reais, numa
conversa com sua vice diretora deixou claro que, se pudesse, criaria
dificuldades ou impediria que certos professores lecionassem naquela
escola. ”Nosso bônus não é maior por causa desse grupinho besta que não
se enquadra nos objetivos pedagógicos propostos”, disse abertamente. Cega pela loucura do dinheiro extra, a descontente não consegue ver que
entre os professores que, segundo ela, pesam negativamente sobre o
bônus que considera ideal estão alguns que fazem o diabo para lecionar
em três ou quatro escolas e, mais mortos do que vivos, acabam dando
faltas seguidas ou mesmo sempre se atrasando devido ao conflito de
horários entre as diferentes escolas em que trabalham. A sua
insatisfação – ou raiva mesmo – também recai sobre outros que, além de
enfrentar a dureza rotineira do magistério, milagrosamente descobrem
ânimo para estudar e buscar algum tipo de especialização, o que os
impede de uma dedicação exclusiva aos projetos da escola. O maldito
bônus parece que conseguiu varrer do coração dessa diretora até mesmo
resquícios mais elementares de seu
cristianismo, geralmente compartilhado e exaltado em reuniões de religiosos carismáticos.
cristianismo, geralmente compartilhado e exaltado em reuniões de religiosos carismáticos.
Diante dos cinco mil reais, que, segundo ela, poderiam ser dez ou até
mais, a mulher se encheu de bronca inclusive do professor de matemática,
infelizmente acometido por uma depressão profunda que o impede de
trabalhar regularmente e produzir o exigido em sala de aula. Volta e
meia ele se afasta do trabalho, se enche de remédios e, se a família não
intervém, passa o dia inteiro preso no quarto, estirado sobre a cama,
olhar esvaziado e pregado nas alturas do teto. A família e os amigos
mais próximos vivem sob o temor de que ele algum dia faça qualquer
loucura sem retorno.
“Quando é que vamos ter uma equipe homogênea
e comprometida com os objetivos da escola?”, é o que a diretora
pergunta para a sua vice. “Nunca”, é a resposta da vice, também
descontente com o tamanho da gratificação e frustrada porque toda a
série de maquiagens que a escola fez em torno de seus números não
resultou nos valores esperados. “Tivemos evasão quase zero”, disse,
fazendo de conta que não sabia que, no ano passado, algumas salas que
começaram o ano letivo com bem mais de quarenta alunos tinham chegado em
dezembro com uma media que não alcançava os trinta.
Na sala dos
professores, agora nos últimos minutos de sua janela, o professor que
encheu uma folha de sulfite com números e cálculos que poderiam aliviar a
barra pesada em que vive lança um olhar desolado para o punhado de
cadernetas que estão diante dele. Algumas, como virou costume, estão
recheadas de provas e exercícios que serão corrigidos em sua casa. Quem
paga por esse trabalho extra? Nem o salário que ganha e muito menos o
bônus que até trinta minutos atrás tinha feito brotar nele uma estranha e
mentirosa euforia.
Sob o sinal chamando para a terceira aula,
ele se levanta, amassa a folha de sulfite onde um pouco antes fizera um
punhado de cálculos esperançosos e raivosamente a joga no cesto de lixo
mais próximo. No caminho da sala, bolsa pendurada no ombro, cadernetas e
livros nas mãos, passos lentos pelo imenso corredor e o vozerio quase
ensurdecedor dos alunos. Um deles pede para levar seu material e suas
cadernetas. Ele deixa. Um outro quer levar sua bolsa. Ele a entrega.
Depois, na sala, em pé e em silêncio diante de uns quarenta alunos inquietos, na sua cabeça surge a imagem do professor de matemática, estirado em seu quarto o dia inteiro, olhos colados no teto, quase um semimorto. Essa imagem o estremece e o faz pensar que pode estar começando a dar os primeiros passos na direção desse caminho.
Fonte : Postado no grupo do facebook "Professores Unidos".
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Em 19/07/15 postei no facebook :
Questionamentos dos Docentes que me Decepcionam:
Quando virá o bônus cultura?
Cadê o bônus das escolas bem avaliadas pela Seeduc (Ideb)?
PERGUNTO: Até quando a categoria será assim?
Até Quando?
Nos tornamos escravos de nós mesmos. Os professores e professoras da rede estadual vivem num mar de desilusão. O Estado, e diga-se com o apoio e intermédio do sindicato que deveria em tese nos defender, realizaram um desmonte na carreira docente. Somos desvalorizados, desrespeitados, vitimados por uma política que só tem por fim, desmantelar a força de pensamento e luta dos profissionais em educação. Pior de tudo é que somos passivos. Aceitamos de bom grado, mas com um quê de revolta cênica para que a submissão não se torne tão doce. Atualmente vivenciamos a polêmica do BÔNUS, onde grande parte de nós anseia desesperadamente por tal "agrado". É normal e aceitável tanto apego a "bondade" do governo.
Somos carentes de valorização profissional e muitos de nós passam por dificuldades financeiras. Todos querem o BÔNUS! Realmente todos precisamos do BÔNUS! Porém, não precisamos de maior humilhação imposta pelo ato de esperar, esperar e esperar por anúncios, tabelas, agendamentos e boatos.
Grande parte de nós não consegue enxergar o mal em que vivemos, ou pior, negamos a reconhecer que estamos numa roda de tortura. Pois fique certo, quando nosso ânimo já se mostrar esgotado, nossas esperanças quebradas, o fatídico anúncio dos contemplados será exposto. Para todos aqueles que almejam o "agrado" e não o obtiverem. restarão cair ainda no mais profunda tristeza e culpa por não ter conseguido.
E viveremos assim até o dia que acordarmos e realmente levantarmos da letargia e gritar, lutar, defender o que realmente precisamos; VALORIZAÇÃO PESSOAL, PROFISSIONAL E RECONHECIMENTO, ALÉM DE UMA ESCOLA DIGNA, QUE FORME CIDADÃOS.
Fonte: Texto de Jacinto José, em 30 de julho às 12:13 no grupo Professor de· Pernambuco.
Postado em :
http://observacoeseducacionais.blogspot.com.br/2014/08/fato-lamentavel.html
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