sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Do CEP ao SEPE. Do Rato que Ruge ao Tigre que Mia

Do CEP ao SEPE
DO RATO QUE RUGE AO TIGRE DE PAPEL

Por Eduardo Papa.

Quando ingressei no CEP (Centro Estadual dos Professores), nossa sede era uma sala alugada na Rua Senador Dantas, com uns 40 m2 e um banheirinho sempre atulhado de faixas e panfletos, onde 40 colegas ou mais, sentados no chão, sem café e com aguada de um filtrozinho duvidoso, discutiam propostas para assembleias cuja expectativa era reunir 20 mil pessoas no barato. Hoje militante do SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação), faço parte do maior sindicato do Estado, com um número expressivo de filiados, minha diretoria administra uma arrecadação considerável e mantém uma estrutura compatível, com reprografia, equipamentos, funcionários e uma sede própria de dois andares no centro da cidade, com auditório com mais de cem lugares, em que um número as vezes maior, as vezes menor do que os 40 ou 50 do passado, prepara a pauta para assembleias em que a expectativa é a frequência de umas poucas centenas de almas.

Assumi minha primeira matrícula no Estado amparado por um mandado de segurança, com mais oito colegas, nossa defesa foi feita pelo departamento jurídico do SINPRO ( Sindicato dos profissionais da rede particular), quando tenho que fazer um parênteses para agradecer ao José Monrevi e ao meu grande amigo de saudosa memória Robespierre, que presidindo a entidade, colocaram graciosamente seus advogados em nossa defesa. Hoje temos uma assessoria jurídica com profissionais experimentados e a logística requerida por um bom escritório de advocacia. Hoje muito criticado, não pela eficiência na condução dos nossos processos judiciais, mas, sintomaticamente, pelo receptivo que lá encontram os filiados.

Em nossas grandes campanhas dos anos 80/90 não me recordo de nenhuma preocupação ou ação organizada na relação com a mídia, ninguém passava release, nem mesmo imagens eram feitas para documentar adequadamente nossas demonstrações públicas. Os jornalistas apareciam quando queriam e entrevistavam as pessoas que queriam, o sistema era presidencialista então não tinha dúvida, nossos porta-vozes eram conhecidos e nos representavam em entrevistas. O maior amadorismo, mas ainda guardo algumas páginas amareladas dos principais jornais da época, em que figurávamos com destaque, com manchetes e fotos nas capas. Hoje temos uma assessoria de imprensa completa, que edita uns boletins informativos de poucas páginas e sem periodicidade, mais ou menos iguais aos de antigamente. Nosso sítio na internet é atualizado a cada era glacial e sujeito a gafes e informações trocadas, que demoram a ser corrigidas. O espaço que nosso movimento ocupa na mídia é ridículo e quase sempre desfavorável, fato que alguns resignadamente atribuem a um conluio da imprensa burguesa, concepção tão errônea quanto perigosa, pois tem estimulado hostilidades de ativistas contra repórteres em serviço, uma estultice.
Enfim, o que aconteceu? Como uma entidade pôde crescer em número de integrantes de maneira expressiva, adquirir uma estrutura operacional sólida e ver a sua influência diminuir, no fundo apresentando menos resultados em sua função precípua, que é defender os profissionais de sua base e a Escola Pública.

POR QUE O RATO RUGIA ALTO E O TIGRE HOJE MIA FINO
Ratos estão entre os animais mais bem sucedidos a nos acompanharem em nossa trajetória pela terra. Ratos vivem em colônias numerosas e com tendência contínua a expansão, embora pequeninos e isoladamente frágeis, é muito difícil combatê-los e impossível exterminá-los. Tigres estão no tropo da cadeia alimentar, formam famílias estáveis, com hierarquia definida e estabelecem territórios de caça, uma de zona de conforto para viver, afastando outros da mesma espécie. Embora todos temam mais os tigres que os ratos, são eles que estão em vias de extinção no planeta.
Em primeiro lugar gostaria de deixar claro que não atribuo o problema a atuação de dirigentes, não acho bonito ver os nossos dirigentes chamados depreciativamente de pelegos, não são. Na verdade quem diz isso ao invés de desconstruir seus adversários, demonstra é primarismo político, não podemos comparar a nossa diretoria com a do sindicato dos garis, por exemplo, ou mesmo dentro da nossa seara com a UPPES. O que eu tenho visto ao longo dos anos são pessoas dedicadas e, até que se prove em contrário, honestas, que vem fracassando rotundamente. A questão no meu entender é mais profunda, é uma questão cultural, eu identifico uma espécie de buraco negro político que vem consumindo a energia do nosso movimento.

As condições gerais da sociedade já não são favoráveis a atitudes associativas, estamos vivendo a era da atomização das pessoas e o predomínio da mentalidade consumista, hedonista, que privilegia as soluções individuais. Nessa conjuntura tínhamos que ter nos comportado como ratos, nos adaptando rápido ao mundo tecnológico e procurando a todo custo nos reproduzir, atraindo segmentos mais amplos. Ao invés disso nos portamos como tigres, delimitando uma zona restrita de atuação e repetindo métodos de sobrevivência cada vez mais impróprios para as condições do meio ambiente. Insistindo em nossa decadência em procurar ostentar uma força que já não temos mais, repetindo métodos de divulgação e atuação que sofrem continuado desgaste.
A nossa reação quanto a mudança na sociedade, que entendo deveria ter sido um movimento para fora, buscando formas de se espraiar tanto em nossas unidades escolares, com também para fora, com segmentos sociais potencialmente aliados, foi ao contrário uma reação de fechamento, muito defensiva que retroalimentou o refluxo. Ao longo do tempo foi se cristalizando uma comunidade de pessoas que vivem o dia a dia da entidade, que desenvolveu códigos de linguagem e de conduta muito peculiares, denominando a si próprios de vanguarda nossos ativistas foram construindo uma identidade cultural tão grande entre eles, que acabou por diminuir suas habilidades de comunicação com suas bases e o resto da sociedade.

Para não correr o risco de cair em excessiva abstração vamos a um exemplo concreto que me lembro do ano de 2006 se não me falha a memória. Em uma assembleia relativamente concorrida, oradores se engalfinhavam e forçaram uma votação, com direito a recontagem para definir a data da próxima plenária. Ora qual seria a leitura feita por qualquer professor normal, não iniciado, que porventura lá estivesse? Obviamente considerar os responsáveis pelo processo como ETs, gente que vive em um mundo próprio. Afinal a informação de que o pano de fundo da disputa era viabilizar ou dificultar a tirada de delegados para uma determinada central sindical, não era clara para todos, e mesmo que fosse, interessava a poucos.
Mesmo assim não atribuo a atuação e a um aparelhamento da entidade pelas tendências e partidos políticos como uma causa direta do esvaziamento e empobrecimento da nossa política sindical, da mesma forma que eximo seus próceres de responsabilidade individual. O aparelhamento existe da mesma forma que antes, para quem lembra no tempo do PT era bem pior, na maior cara de pau cargos sindicais eram utilizados para turbinar campanhas ao parlamento. Hoje ao contrário, nossos líderes parecem bem mais preocupados com questões éticas nesse sentido. Vejam, por exemplo, o que aconteceu com políticos do PSOL, que tem grande influência na diretoria, na última campanha salarial: apareceu em uma assembleia o pop star da turma, o Marcelo Freixo, para fazer uso da palavra, tomou um sonoro não da plenária, virou as costas com cara de contrariado e nunca mais voltou, mais competente foi o Eliomar Coelho, que ia aos eventos ficava na dele conversando com as pessoas, sem essa sofreguidão pelo protagonismo.

As organizações políticas fazem parte do jogo, no SEPE estão todas, desde os bolivarianos e do PT até os mais radicais anarquistas, reconheço a todas como legítimas e embora possa não concordar com as ideias de muitas, defendo até o último suspiro o direito delas se expressarem. A questão não é propriamente a ação das tendências políticas, mas sua inércia. Mesmo que suas trapalhadas na ânsia pelo poder, como foi o esvaziamento do último congresso pela tentativa desesperada do PSTU de empurrar a filiação a CST, sejam superadas, mesmo que a condução manu militari das assembleias como a encerrada no grito pela diretoria na Hebraica ano passado acabe, mesmo que a irresistível tendência dessas organizações a aplicarem golpes políticos umas nas outras seja superada, não fica resolvido o problema do isolamento e o continuado distanciamento da base sindical.

Penso que o problema maior é que estamos construindo uma espécie de gueto para nos encapsular, cada vez mais distante da vida que vivem as pessoas a quem nos propomos representar. Como uma causa como a da educação pública, cuja prioridade é incontestável para a esmagadora maioria das pessoas, não consegue apoio? Como entender que trabalhadores cada vez mais explorados se distanciem cada vez mais de sua entidade sindical e rejeitem participar dos movimentos grevistas propostos? A questão é que a nossa causa é justa, mas nosso discurso está gasto e bolorento e nosso comportamento não é agregador.
Para não voltar a correr o risco de me perder em devaneios, volto a um exemplo elucidativo. Além de professor sou também um redator e editor de jornais experimentado, alguns anos atrás, contando com uma certa disponibilidade e reunindo disposição, procurei a direção da entidade e me propus a fazer um jornal periódico para o SEPE, não esses boletins que costumam emitir que ninguém lê, mas um jornal periódico, com colunistas e seções fixas, um veículo de verdade, pois achava, e acho ainda, um absurdo uma entidade como a nossa não ter no mínimo um jornal impresso regular, pela nossa expressão era para termos programas de rádio e até TV. Enfim ao ser examinada a proposta o óbice era a situação financeira, a impossibilidade de bancar o projeto, aventei a possibilidade de financiar o jornal com anúncios, como fazem nove entre dez veículos de imprensa, para quê! Pensei que ia apanhar, no mínimo eu era o vírus do neoliberalismo que vinha para contaminar a pureza do ideário socialista de nossa gloriosa entidade. Muito bem não tem jornal. Se analisarmos a nossa relação com os demais segmentos sociais e a base da nossa categoria estamos cada vez mais isolados, e não por causa de governos repressivos, pelo cerco da imprensa burguesa, ou por qualquer outro motivo, mas pela nossa própria insistência em querer impor aos demais nossa maneira de ver o mundo, não pelo exemplo mas pelo proselitismo, que já participou um dia das nossas “corridas as escolas” sabe o que estou falando.

Então, o ratinho serelepe que driblava o choque nas portas do palácio, está definitivamente condenado a encarnar o felino sonolento, mais afeto aos corredores da ALERJ? Penso que não, tudo pode mudar muito mais rápido que a maioria pode imaginar, vejam o exemplo do Paraná.

COMO O TIGRE PODE RUGIR COMO O RATO
O Rio de Janeiro, como o Paraná, é um Estado falido, deve mais de 80 bilhões e a arrecadação só faz cair, drenada por um esquema corrupto de isenções fiscais e gastos superfaturados. Não é improvável que o governo venha a adotar medidas amargas ou que a deterioração da situação econômica provoque uma reação popular. Nesse caso temos que estar preparados para lidar com um movimento social fluido e volátil, muito difícil de aceitar uma direção tradicional, talvez algo parecido com as manifestações de 2013, e se não estivermos preparados técnica e politicamente para isso vamos ficar para trás, perdendo ainda mais espaço. Porém se ao contrário conseguirmos surfar na onda direitinho, podemos resgatar a representatividade perdida e voltar ao tempo das vitórias.
Para isso é fundamental uma mudança de atitude, desenvolver alternativas para incorporar muitos companheiros que estão oprimidos e massacrados, mas não enxergam a solução em nossa prática habitual, é preciso oxigenar a vida e nosso sindicato, abrir as portas e construir pontes com a sociedade. Penso que uma mudança de postura e mentalidade de nossa “vanguarda” é essencial. E a oportunidade que as eleições da entidade em 2015 trazem são ímpares e auspiciosas.

Estamos envelhecendo, não apenas nas ideias mas fisicamente, ao longo dos anos a renovação de nossos quadros tem sido diminuta, quem acompanha a vida sindical pode observar que as mesmas pessoas sustentam a entidade há anos, o que certamente é consequência, mas também contribui com a ossificação de nossas práticas. Na esteira das manifestações de junho de 2013 e durante as greves de 2013 e 2014 surgiu sangue novo, um grande contingente de novos ativistas, em sua maioria jovens, se incorporou a vida sindical, começando a dar uma nova configuração ao movimento. Não que o frescor da juventude por si só seja uma solução, mesmo porque com ela vem a inexperiência, de fato algumas concepções que vem sendo acalentadas por esses moços (alguns nem tanto) são dignas do jardim de infância da política, como a negação sistemática de alguns em atuar na esfera política institucional, ou a de outros em defender as greves até a extinção por decurso de prazo. Uma concepção de “horizontalidade” completamente fora da realidade vem se desenvolvendo, chegou ao ponto de uma tese no último congresso apresentar como proposta de estruturação do sindical a extinção da diretoria, que seria substituída por um coletivo constantemente renovável pelas bases, um objetivo inexequível na sociedade que vivemos.
Entendo que a novidade não virá apenas pela renovação das pessoas, mesmo porque nada garante que os novos quadros não vão acabar assumindo as mesmas práticas tradicionais, substituindo as atuais desgastadas lideranças por um pouco mais do mesmo de sempre e que quem não se enquadrar seja defenestrado, ou fique em uma posição periférica no movimento. É uma aposta alta tentar romper com um passado consolidado e de resultados previsíveis e apostar no novo. Romper com o sectarismo e aceitar a convivência com diferenças até mesmo que sejam filosóficas e ideológicas radicais, mas que não impossibilitem a atuação irmanada por objetivos comuns. Voltando aos exemplos práticos, não sou criacionista, nem mesmo teísta, mas acho um absurdo e um desrespeito a forma como as igrejas pentecostais são tratadas em nosso meio, quantos milhares de colegas nossos adeptos dessa fé, que poderiam estar conosco, não são afastados por nossa decisão? Por que a vinculação com outras entidades da sociedade civil e mesmo oficiais, como o Ministério Público por exemplo, são desprezadas e não aceitamos ou propomos participar de nada além daquilo a que estamos acostumados e mantemos o controle e liderança estrita?  Falta de visão que conduz a insegurança e daí a mediocridade, estreitando nosso campo de ação. A mudança cultural exigida é enorme e sem dúvida muito difícil, mas eu vejo uma porta que estava fechada se abrindo a nossa frente, ainda deixando passar pouca luz, ainda rangendo as dobradiças enferrujadas, mas eu a vejo se abrir quando olho nos olhos de companheiros maduros, lúcidos e persistentes como os grandes amigos Omar Costa, Eduardo Mariani e tantos outros, quando vejo o brilho nas retinas de jovens combativos e indignados como a Vivian Fraga, nossa red head, sacudindo um rodo e protestando contra a condução do movimento, uma dentre tantas outras figuras maravilhosas, que potencialmente trazem a novidade para nosso desgastado sindicato. É difícil, mas é possível, nossa vontade pode mudar nossas vidas e o nosso mundo, desde que sejamos capazes de abrir nossos corações e mentes para aceitar as outras pessoas e forças como elas são, desde que não queiramos impor nossa ideias por outras formas que não sejam baseadas na aceitação participativa da maioria.

Portanto companheiros, vamos ousar. Os esquemas preparados para a reprodução do poder na entidade já estão montados, em breve vão ser impressos os jornais da eleição, com aquele monte de carinhas sorridentes e as manchetes pregando a união da classe, o SEPE somos nós e coisa e tal. Vamos nos encontrar dia 07/03 na assembleia da rede estadual e começar a montar uma alternativa. Em 30 anos de filiação à entidade nunca participei de nenhum pleito, mas se aqueles companheiros que se tornaram meus grandes amigos nas jornadas históricas dos últimos dois anos toparem, vamos fazer uma chapa para concorrer com chances de um bom resultado. Temos muita coisa a tratar, definir e afinar no caminho, não tenho propostas definidas para nada além do nome. QUENTE.

Vamos à luta e formar a "CHAPA QUENTE".

Eduardo Paparguerius

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Á citação  do comp@nheiro Eduardo Papa, já o havia proposto que montasse uma chapa, e que estaria, como estarei ajudando nesse projeto de trazer de volta a categoria para o sindicato, com o mesmo tendo o viés classista, ao invés do atual.

     Omar Costa.

Um comentário:

  1. Em 09/07/19 postei no facebook:Estão Acabando c/ o SEPE.

    As direções mais recentes do Sepe Central tem deixado muito a desejar, como nas últimas greves da rede estadual do RJ, como o corporativismo exercido na última eleição do Sepe, onde filiados votaram em multiplicidade e nada de punição exemplar aos identificados, como a falta de transparência do financeiro tanto do Sepe Central quanto dos regionais, etc... E devido a tudo isso as assembleias da rede estadual andam vazias. Notadamente o Sepe tornou-se incapaz de Mobilizar a categoria da rede estadual já que não se sentem representados por ele.

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